Muito... mas nem tanto!

Ryan Tauss/StockSnap

Ryan Tauss/StockSnap

Era uma vez uma mulher cheia de boa intenção, que quis muito, como muitas mulheres querem, gerar seu filho. Ela percorreu um longo caminho, enfrentou surpresas e perdas, e, alguns anos depois, viu a linda barriga crescer e o coração explodir de expectativa. Depois do parto, nas primeiras vezes que encontrei com ela – eu também com um recém-nascido em casa – passei alguns minutos com uma estranha sensação. Ela tinha – ou demonstrava ter - tanta disposição, tanta energia, dava tanta atenção pra aquela criança que eu, me desdobrando pra dar conta de duas demandas, duas rotinas, duas pessoas, pensava: “tadinho do meu bebê, acho que não estou conversado com ele o suficiente, nem contando as historinhas que devia, nem estimulando suas percepções...”

Lá pelo quarto ou quinto encontro, porém, eu comecei a desconfiar das minhas próprias impressões. Ela não dava atenção à criança. Ela roubava pra ela toda a atenção da criança. A mãe, na intenção de estimular como manda o figurino e não deixar o bebê perder nada de tudo aquilo que ela tem pra descobrir, simplesmente não calava a boca. Era brilha, brilha estrelinha pra cá, seu Lobato pra lá, patinhos que foram passear ali e mais um vastíssimo repertório. Absolutamente tudo o que existia no ambiente precisava ser mostrado, apontado e incluído numa historinha que parecia não ter fim. Todas as texturas colocadas à mão, todos os sons imitados... Será que precisa de tanto?

Eu que já era fã do silêncio acolhedor, voltei pra casa com mais vontade ainda de deixar que meu filho escute o som da vida sem pressa, sem pressão. Claro que as histórias têm papel fundamental, óbvio que músicas trazem uma conexão única com o mundo, e, sim, faço questão que ele ouça certas coisas pela voz da mamãe – não só uma como várias vezes... Mas aos quatro meses? O tempo todo? Essa história me fez lembrar uma outra, de uma tia também coberta de amor que, ao cuidar do sobrinho, de pouco mais de um ano, optava por apresentar, direcionar e trocar atividades a todo tempo... Ele não tinha oportunidade nem de escolher nem de aprofundar em nada.

Meu primogênito vem crescendo em meio aos meus ciclos de silêncio e se mostra atento, desenvolvido e íntimo do mundo que o cerca. Eu queria mesmo ter mais fôlego pras historinhas e musiquinhas - todas as noites tento acreditar que acordarei mais disposta - mas nem tanto ao céu nem tanto à terra. Hoje mesmo, depois de algumas horas longe dos meninos, peguei o bebê no colo, abracei e beijei. Depois, deitamos na cama, um de frente do outro, e eu fiquei em silêncio, olhando nos olhos, deixando que ele me tocasse, que o momento durasse o tempo dele. Ele ficou me olhando de volta, sereno, doce e sorridente por longos minutos. Sem musiquinha, sem conversa, o som que ficamos ouvindo foi o da risada dele. 

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