Quem viu o pequeno príncipe?

Mari Merlim/Divulgação

Mari Merlim/Divulgação

Não preciso falar do quão belo, rico e profundo é "O pequeno príncipe", porque isso é bem óbvio, e nem convidar ninguém pra ver o filme, já que seria, no mínimo, um convite atrasado. Milhōes de pessoas já viram. Mas saí do cinema com vontade de abraçar toda criança que me cruzava o caminho, e achei que sobre isso eu deveria escrever. Vivemos em um mundo feito pra adultos, com ritmo de adulto e, quase sempre, impaciente com a infância. Não me refiro à impaciência com coisa de criança, embora ela também valha uma reflexão, mas à impaciência com o ser criança, que sem que a gente perceba transforma meninos e meninas de 8 ou 10 anos em mini adultos. 

"Ah, mas essas crianças de hoje em dia estão tão espertas, não querem ser tratadas como criança...", diriam alguns. Será? Ou será que elas estão respondendo da maneira que podem aos inúmeros estímulos que recebem, desde o nascimento, para que cresçam e rendam adequadamente, da forma que espera a sociedade? O filme, que nos chama à responsabilidade do primeiro ao último minuto, só fez reforçar em mim uma sensação que tenho há tempos e que é a razão primeira deste blog: uma criança é, para um adulto, uma profunda oportunidade de autoconhecimento e reencontro.

Observando uma criança - e nem precisa ser pai ou mãe - a gente acessa nossa raiz, nossa pedra bruta e tem chance de revisitar e reconstruir valores e convicçōes - não só nossos como do mundo que nos rodeia. Sob este ponto de vista, criança vale ouro, mas ao invés de respeitá-las e dar a elas todo o espaço do mundo para que sejam nada mais, nada menos, que crianças, nosso modelo cria armadilhas e vai escondendo, cada vez mais cedo e de forma cada vez mais cruel, o “pequeno príncipe” de cada um. 

Nem sempre estamos aptos a perceber e aproveitar essa chance, mas o convívio honesto com uma criança nos devolve, ainda que por um segundo, a criança que fomos - e que a vida nos fez deixar pra traz. Quando chegamos em casa, ainda ressoava no meu ouvido a lista de perguntas que meu filho havia me feito durante o filme, que ele classificou como “o mais lindo que ele já viu”. "Por que eles prenderam as estrelas, mãe?" "Por que ele ficou amigo da raposa?"  "Por que os adultos esquecem?", ele quis saber, reproduzindo diante dos meus olhos toda a potência que a tela mostrava. Eu não tenho as respostas, mas enquanto escovava os dentes de um e trocava a fralda de outro, tive certeza de que tenho o essencial - invisível aos olhos.  

* A foto que ilustra esse texto faz parte do imperdível ensaio assinado pela fotógrafa Mari Merlim. Clique aqui para ver todas as fotos. 

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