Meu irmão rabiscou meu dever
/Estávamos todos prestando atenção, mas foi numa fração de segundo: o bebê rabiscou o dever de casa do menino. Não era assim um rabisco enorme, mas era nítido, azul, inegável. Estava ali, e eu não podia apagar. E não era um dever qualquer, era o primeiro - que se não tem relevância acadêmica tem inegável importância afetiva (e simbólica) pra ele e pra família. E estava rabiscado.
Lápis e papel à parte, quem tem mais um filho sabe que a determinação de evitar que o bebê risque o trabalho do irmão, seja literal ou metaforicamente, nasce junto com a segunda gravidez. Depois de se dedicar seja pelo tempo que for ao primogênito, a gente passa meses acreditando no impossível: que vai proteger, ainda que a duras penas, o espaço do primeiro, e que o caçula achará seu lugar no mundo sem precisar roubar nem um pedacinho do do irmão. Ou que roubará, mas será tão pouquinho que ninguém vai nem perceber. Ledo engano.
Taí um dos maiores dramas da minha maternidade: equilibrar o tempo, e evitar que um seja “penalizado” pela minha decisão de ter o outro. Me divido entre a convicção de que não há benefício maior que o convívio com um irmão e a culpa de ser uma - não sou duas. A privação faz parte do dia a dia deles, e eu não consigo evitar. Tínhamos bem enraizado aqui o hábito de ler histórias antes de dormir, por exemplo, mas já perdi as contas de quantas vezes o menino dormiu me esperando colocar o irmão no berço. Assim como também não sei quantas vezes me flagrei brincando com o bebê com a cabeça longe, tentando acompanhar com os olhos, pelo menos, o que o menino fazia no sofá da sala. Estou em débito.
Mas se me angustia essa constatação, me toca os ouvir chamando um ao outro: “momão, corre!”, pede o pequetito, querendo iniciar o pega-pega no corredor (momão é uma forma pessoal para meu+irmão). Dia desses, o menino voltou a ter comigo uma conversa que ele já tinha iniciado, meses antes: “mãe, será que o papai do céu vai mandar?” “Mandar o quê?” “Minha irmãzinha?” “Filho, pensa bem… Como que a mamãe ia fazer pra cuidar de você, do seu irmão e de uma menininha?”, eu perguntei, suando só de pensar. “Ah, mãe, do jeito que você faz…”, ele respondeu, sem queixa aparente no coração.
E apesar da minha vontade de “salvar o mundo”, naquele dia o dever foi pra escola rabiscado. Eu sugeri que ele explicasse à professora o que aconteceu. “E aí, explicou?” “Sim. Eu disse que meu irmão me ajudou.” Sorte.