Quanto vale um like?

Rotorhead/Freepik

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Há algum tempo me chamou a atenção um vídeo, postado por uma mãe no Instagram, que mostrava uma menina de uns 5 anos, feliz da vida, dançando em frente à TV. Ela estava protegida por sua própria casa, imitando algum personagem e, percebendo a presença do telefone, olhou pra mãe e disse: "você não tá gravando não, né?" E a mãe respondeu, como dá pra ouvir no vídeo: "não!" "Porque eu não quero", ela retrucou, sem deixar dúvida. Pois a mãe não só continuou gravando como, decidida a mostrar a fofura, postou o vídeo depois, com a mentira gravada.

Hoje foi diferente. Vi um vídeo que está rolando por aí em que uma menina chora honestamente por frustrações que alguém, de um jeito ou de outro, colocou na cabeça dela. Este vídeo foi gravado por quem cuidava da menina, e o choro virou atração depois, na internet. Muita polêmica já foi criada em torno do que diz a criança - o que de fato não acho graça de ouvir -, mas este episódio me lembra o outro lá de cima e me pergunto: pra quem e pra que estamos gravando estes vídeos? Quando que nosso instinto de proteção e respeito se deixa vencer pela nossa necessidade de mostrar pra turma - ou pra dois milhões de pessoas - as belezinhas que temos em casa?

Sim, todos eles fazem coisas fofas (ainda que o conceito de fofo varie, definitivamente, de pessoa pra pessoa) e nós ficamos doidos pra dividir. Eu também. Mas existe uma medida razoável que passa pelo cuidado real e pela consciência do tamanho da responsabilidade que temos. Não, eles não sabem o que dizem. E sim, é coisa de criança. Mas a falta do discernimento que, quem sabe, será adquirido na vida adulta, não torna a dor de uma criança menos dolorosa e nem tira o valor de um pedido feito à mãe, olhando nos olhos dela. Quem sofre, seja pelo motivo que for, precisa de abraço, de acolhida, e não de plateia. Quem confia precisa de motivos pra continuar confiando, e não da ideia de que, por algumas centenas de likes, vale quebrar a palavra.

É possível que em ambos os casos - e em tantos outros por aí -, o registro tenha sido feito com boa intenção, e até postado com boa intenção. Só que, diante da rede, não existe garantia alguma do uso que será feito das imagens, e é preciso que essa noção seja mais forte que nossa carência. Ninguém - ou quase ninguém - acharia graça ao ver sua intimidade exposta em praça pública, e intimidade de criança é responsabilidade de adulto. Mas esse talvez seja o menor dos problemas. Pior que isso é a criança ter que esperar a gravação acabar pra ter a chance se conectar, de fato, com quem estava bem diante dos seus olhos.

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