Aos melhores (e mais poderosos) amigos!

Não é coisa muito rara de acontecer. O pequetito acordou uma, talvez duas horas antes do padrão dele, e não estava nos seus melhores dias. Resmungão, mal-humorado, incomodado. Gastei duas horas inteiras tentando fazer ele melhorar o humor, em vão. Beijo na barriga, desenho na TV, bolo bem gostoso, livro preferido, nada. Pensei nas teorias que já li sobre esses casos: “estímulo demais? dormiu de menos? tá passando mal, será? tá cansado de ficar em casa? tá cansado de tanto sair de casa? e se a gente fosse montar um quebra-cabeças novo? e se a gente comesse uma maçã? e se tirássemos um cochilo, sei lá?”... Enquanto eu ia listando as propostas, o irmão acordou, e complicou um pouco. Agora, além de solucionar o caso, eu precisava preparar o café da manhã do menino, levar pra fazer xixi, arrumar a cama...

Eu ia esquentando o leite, minha cabeça dando voltas tentando acessar o “arquivo” certo pra resolver aquele impasse e fazê-lo se sentir melhor, quando percebi que estava feito. Cadê o chororô? Ouvi uns risinhos vindo de dentro do castelo mágico de papelão que toma parte da minha varanda, e de perto confirmei: os meninos de pijama estavam imersos numa aventura matinal, e o pequetito ria. Mudou o semblante, relaxou as sobrancelhinhas e me disse alguma coisa como: “Momão acodô, mãe. A gente é amigos. Qué bincá também?” Não que eu não tivesse tentado isso antes, né, meu filho? Mas respondi que eles podiam continuar como estavam e voltei pra cozinha concluindo que caí, de novo, na mesma armadilha. 

Talvez eu não precise pensar tanto. Talvez não haja sempre uma solução pra questão e, principalmente, talvez eles se ajeitem sozinhos. Talvez eu deva tirar o meu time de campo, vez ou outra. Li outro dia uma entrevista com um médico argentino, Luciano Lutereau, na qual ele, entre outras coisas, dizia que “o mais importante na vida de uma criança é ter com quem brincar.” Ele não estava defendendo que se tenha irmãos, e nem eu estou, não é esse o foco da conversa. Ele falava, se entendi bem, sobre o potencial da brincadeira (principalmente no que diz respeito à elaboração dos conflitos típicos de infância), mas  me tocou especialmente essa colocação sobre a importância de se ter espaço e companhia. 

Pois bem. Ontem tivemos o dia cheio. Colorimos de manhã, vimos TV, fomos ao supermercado, compramos um livro de colorir novinho em folha, almoçamos todos juntos, fomos pra escola e voltamos pra casa, pro que seria o momento mais esperado do dia. Havíamos combinado de “quebrar o protocolo” típico de uma quarta, e o menino ia receber um amigo, da valiosa e enxuta lista de “melhores amigos”, apesar do cansaço da escola, apesar da falta de banho, apesar de o amigo ter que ir pra escola no outro dia de manhã. Era um trato nosso, feito no fim de semana, que já o tinha feito sorrir umas dez vezes, se eu fosse contar… Eles criaram o mundo deles dentro do quarto, e em determinada hora perguntei se estava tudo bem. “Sim! A melhor coisa da minha vida é brincar. Da sua também?”, ele perguntou esticando o olho pro amigo, que não precisou pensar nem por dois segundos. “É, a melhor coisa da minha vida é brincar de Lego com você.” A julgar pela carinha deles, não dava pra duvidar. 

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