Larga esse telefone!
/Dia desses, tomando meu café da tarde, comecei a ouvir um chamado que, daquela vez, não era pra mim:
- "Mãe, mãe!"
Eu não ouvi resposta, e o menino insistia.
- "Mãe, ô mãe, olha aqui. Olha o que eu fiz!"
Quando eu olhei pra trás, vi na mesa ao lado um menino de uns 8 ou 9 anos, vestido com o uniforme de uma das escolas mais disputadas - e caras - da cidade, brincando com uns palitos em cima da mesa. Ele parecia se divertir. A mãe, que ele tanto chamava, tinha os olhos fixos no smartphone. Ele chamou de novo, e de novo, até que foi direto:
- "Mãe, larga esse telefone e olha o que fiz!"
Era uma pequena escultura de palitos. Eu não pude evitar a tentação de checar o que ela tanto fazia e, de longe, pude reconhecer a tela do Facebook. Óbvio que existe uma pequena chance de ela estar fazendo algo realmente relevante, podia até ser trabalho, nunca se sabe. Mas o caso específico daquela mãe interessa pouco. Vale mais a oportunidade de pensar...
Dois dias depois, na porta da escola, enquanto eu e o bebê esperávamos o irmão concluir uma atividade, aconteceu de novo. Desta vez, eu sei, o menino tinha 5 anos. Ele chegou no portão entusiasmado e, questionado pela mocinha que monitora a saída das crianças, apontou: "ali!". A moça rodou a chave, e ele foi direto pro outro canto da sala, onde uma mulher, sentada, digitava sem parar. Ele chegou falando, contando algo que nem sempre dava pra ouvir, mas de onde eu estava deu pra ver: ela não levantou os olhos. Eles tinham ficado a tarde inteira longe um do outro - e talvez a manhã também -, ele estava cheio daquelas deliciosas novidades pra contar, mas ela seguia focada na tela, apesar dos pedidos de atenção dele, que rodava, literalmente, em volta da mãe. De novo, ela podia estar fazendo algo importante, mas isso não muda muita coisa. "Olha o que eu trouxe, mãe", pedia o menino com um brinquedo feito por ele mesmo na mão. Ela não viu. Depois de uns cinco minutos, disse só: "vamos?"
Eu também ando por aí com o telefone na mão e, embora me policie, até bronca já levei: “vídeo não, mãe!”, disse ele, bravo e de braços cruzados. Fiquei com vergonha, não sei se dele ou se de mim. Apesar da minha nobre intenção de registrar alguma fofura para a posteridade, fica muito claro: não é isso que criança quer. Valem todas as facilidades que a tecnologia nos traz, mas vale muito mais o olho no olho, a atenção real, off-line e, tenho certeza, qualquer criança pequena pode mostrar isso. Bastar olhar. A essência não está on-line. O mais importante não fica armazenado na rede!
E é essa a hora de guardar boas lembranças. É agora, e não quando eles crescerem, a hora de reforçar o que é valor de verdade, a hora de ensinar: “olha pra mim enquanto eu falo com você!” Depois, aos 12 ou 15, idade do olho na tela, não vai adiantar falar. A necessidade de desconexão, ainda que relativa, grita e não é só pra quem tem filho. Mas a nossa urgência tem um que de compromisso. Às vezes é preciso desconectar pra conectar...
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