O doce menino imperfeito
/Solzinho gostoso anunciando setembro, e fui eu visitar uma amiga, coisa que ensaiava fazer há muito tempo. Levei os meninos pra brincar com o pequetito dela, e se a gente tivesse tirado uma foto pro Facebook, certamente eles estariam lindos, sorridentes, uma belezinha… Um menino mais bonito que o outro! A foto não mostraria minha cara de desapontamento diante do esforço que meu filho mais velho parece ter feito para por a casa dela abaixo, reproduzindo aquelas cenas típicas do “Pestinha”, ou “Dênis, o Pimentinha”, lembra? Não mostraria que, junto com o irmão, ele tirou (quase) todos os brinquedos do anfitrião do lugar, nem que ele subiu no sofá ignorando meus apelos e nem que ele derrubou a barraca do menino no chão. Não mostraria o meu esforço constante para fazê-lo se acalmar e “se comportar melhor”, seja lá o que isso quer dizer. “Fica calmo, meu filho”, eu dizia oficialmente, pensando: “pelo amor de Deus, sossega! Assim parece até que a sua mãe é louca quando diz por aí que você é um doce e que diz coisas lindas…”
Pois esses são os nossos meninos e meninas da vida real, não são? Olhando pela foto no Facebook não dá pra ver, mas basta ter uma criança em casa para começar a duvidar do comportamento perfeito do filho da vizinha... Criança não é coisa, criança reage, tem dias bons e dias ruins, tem muita energia e pouco limite, tem um monte de coisa pra aprender… Tão imperfeita quanto qualquer um de nós. E por que será que, mesmo tendo isso na ponta de língua, eu engrosso o time das mães culpadas e, entre a frustração e a vergonha, fico achando que o erro é meu e que eu devia ter feito alguma coisa que eu não fiz? Talvez seja porque a nossa sociedade respeita muito pouco a infância e, sem que a gente perceba, faz uma força danada para colocar todo mundo dentro de uma caixinha. Tudo padronizado. Todo mundo sorrindo pra foto.
Naquele dia, eu reclamei com o menino, repeti tudo o que já havia dito sobre se comportar e ouvir a mamãe, especialmente na casa dos outros, e ele pediu desculpas. Disse que nunca mais vai fazer isso, o que, ainda que ele não saiba, não é verdade. Muitas ainda serão as vezes em que ele vai deixar de lado o papel que escolhi pra ele e, embora seja minha função orientá-lo sempre, é também minha obrigação aprender a lidar com isso. A gente idealiza tanto nossos filhos que, ainda na gravidez, vai fazendo planos de que vai ser assim ou assado, que isso ou aquilo ele não vai fazer, que a fulana também devia tentar isso com o menino dela e tal. Esquecemos que existe uma parte deles, do comportamento e das emoções deles, que não nos pertence.
Eu saí da casa da minha amiga achando que meu filho estava “eufórico” demais, enquanto ela ficou pensando que o menino dela não sabe dividir as coisas com os amigos. Isso eu nem notei. De certo, o que a gente podia ver lá eram três crianças brincando livremente, aprendendo a lidar com as suas emoções, testando os limites e o tamanho do poder que elas têm, cercadas por um monte de estímulos, carinho e cuidado. E, claro, tinha também duas mães tentando acertar.
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