'Você engravidou na hora errada'

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“Ontem voltei da minha licença maternidade e fui sumariamente demitida. Você engravidou na hora errada, disseram”. Essa mensagem chegou assim no meu celular, no meio da tarde de sol de uma quarta-feira, vinda de uma amiga da minha irmã. Ela, a quem eu vou chamar de Ana, mas pode ter o nome que você quiser, soma dez anos de experiência em uma carreira muitíssimo bem sucedida em grandes empresas do setor de construção civil. Saiu de casa cedo, fez a faculdade que quis, conseguiu um lugar no concorrido mercado do Rio de Janeiro, estudou mais, se dedicou mais, cresceu. Há alguns meses nasceu o primeiro filho dela - que, nem preciso dizer, deu a Ana uma perspectiva toda nova e muito mais potente. Mas aí ela perdeu o emprego e, como inclusive disseram claramente, perdeu o emprego porque é mulher. Sem meias palavras, foi isso o que aconteceu. Se ela fosse homem, nesta mesma situação, não teria se afastado do trabalho por meses (porque a licença paternidade não permite isso, e torna portanto essa questão “carreira versus família” um problema quase sempre exclusivo das mulheres) e não teria sido demitida. 

A história da Ana não é isolada, pode ter certeza. Se você nunca viu uma história assim, que sorte! Tomara que não veja! Mas não duvide do que eu estou falando… E ainda assim, diante de casos e mais casos como esse, ainda tem quem não compreenda a necessidade de a gente discutir privilégios, papéis historicamente construídos, preconceitos, machismo, etc, etc… Tem quem não entenda por que a gente precisa derrubar hábitos antigos, por que a gente precisa dar às nossas crianças bases para enxergar o mundo de maneira mais justa e, consequentemente, chance de fazer diferente. Tem quem ache isso uma chatice, um mimimi. Tem quem se sinta ameaçado por isso. “Eu faço o que eu quero! Ensino pros meus filhos o que eu quiser”, é o argumento que usam. É o argumento que têm pra usar. 

Na mesma semana em que a Ana foi demitida, veio à tona uma polêmica inclassificável na escola onde uma amiga minha trabalha. Lá eles têm um projeto especial que envolve cuidados com uma boneca, uma boneca de pano, que fica o ano inteiro com a turma. De tempo em tempo, um estudante é encarregado de levá-la pra casa e cuidar dela - coisa que não é novidade, a gente já viu essa ideia em filmes e séries. Por cuidar dela, entenda trocar de roupa, pôr pra dormir, dar comida… Fazer o que faz um pai ou uma mãe, sabe? Cuidar. Pois bem… Ofendidíssimo, o pai de um menino de 6 anos registrou queixa no Conselho Tutelar da cidade. O menino deveria ficar com a boneca por dois dias e depois relatar pra turma todas as atividades que fez com ela, e isso ele, o pai, não aceita. Ele se explicou assim: “olha o tipo de boneca que deram para um menino tomar conta. Tratar dela, trocar roupa, pôr pra dormir. Um menino. Como eu fico?” Como ele fica eu não sei, mas fico pensando é como fica o menino dele, o meu menino, as amigas deles (especialmente elas, as que vão, sozinhas, se afastar do trabalho pra cuidar dos filhos, né?)... como ficam os filhos deles? Como é que a gente fica? 

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