Entre cuecas e lágrimas

O choro tem começado cedo aqui em casa, e é aquele choro miúdo, resmungado, sabe? Uma lenga-lenga, um chove-e-não-molha, uma ladainha daquelas que faz a gente alternar, por horas a fio, a mais sincera falta de paciência com o mais honesto remorso diante do risco de que haja mesmo alguma coisa errada... Será que tá doente, que aconteceu alguma coisa na escola? Será que tá pressentindo algum porvir, porque... não é possível uma coisa dessas! "Tem dodói, meu filho?" "Não". "Tem algum problema, amor?" "Naaaão". "Você tá precisando de alguma coisa? Não". Mas que diabos então é esse choro por causa da pasta de dente, choro porque eu tentei escovar o tal do dente, choro porque quer escovar sozinho, choro porque saí do banheiro, choro porque então eu voltei pro banheiro...

Eu ontem sentei no carro depois de deixá-los na escola e senti a alegria do silêncio. Nem o rádio eu liguei, pra ficar ouvindo aquele som abafado, gostoso até, do movimento da rua, que por causa dos vidros fechados parecia estar a metros de distância. Aí, enquanto eu dirigia, me voltou à cabeça o choro do pequetito, os olhinhos molhados, as mãos tentando me puxar quase o tempo todo, e me ocorreu: o que é que estou, afinal, exigindo desse menino, dois anos e meio nas costas? Ora, que fique bem (como se fosse possível determinar isso a alguém, em algum sentido)... Mas não é só: que fique bem enquanto é desafiado dia após dia. Olha, não deve ser fácil ter dois anos. De três semanas pra cá, ele foi convidado a se adaptar às cuecas, tarefa que vai cumprindo tecnicamente bem, mas que tira dele toda a dinâmica de proteção que desenvolvemos desde que ele nasceu. É isso! Não é pouca coisa. Depois de alguns dias de sucesso matinal, eu parei de colocar a fralda na hora do almoço, apesar de ele me pedir, porque "você já sabe, meu amor, está crescendo tão lindo..." E aí, então, além de não fazer xixi nas próprias pernas, ele precisa não fazer xixi enquanto vai equilibrando sozinho a colher até a boca, e enquanto tenta fincar o tomate que escorrega pra lá e pra cá.

Talvez o choro dele não seja assim tão sem sentido. A gente fica buscando explicações palpáveis, objetivas - a dor de barriga, o machucado, o problema oficial -, mas pode ser que a razão seja outra. Pode ser que nem tenha um nome, e tudo bem. Saber disso não vai me fazer ter uma paciência infinita, infelizmente, e nem tão pouco vai me fazer achar que preciso voltar com as fraldas. Isso faz parte da vida, crescer é assim, e estamos vencendo. Mas é possível que me permita, nas próximas vezes, oferecer um abraço mais longo, um carinho mais sincero. Até que, num belo dia, a cueca será - há de ser - motivo de festa.

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