O nome disso é medo (e é seu)

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Autorizei a vacinação na escola, coisa que adiantaria bem a minha vida, e considerando nosso pacto pela verdade, avisei ao menino. “Amanhã você vai tomar vacina na escola”. Ele murchou na mesma hora, encheu os olhos de lágrimas, fez careta e me disse “nãaaaao”. “Sim, meu filho, precisa tomar”. No outro dia, me procurou cedo pra saber se eu tinha mudado de ideia, e quando eu disse que não, explicou que estava sentindo “uma coisa muito estranha”. Medo? “Eu acho que é”, disse, de cabeça baixa. “Levanta a cabeça, tudo bem sentir medo…” “Fulano não tem medo de nada”, ele disse citando um velho amigo, adulto, que acha vantagem repetir por aí essa ilusão. Uma vez disse ao menino, acredito que com boa intenção, que o medo não serve pra nada e que gente crescida não tem medo. Eu talvez ache que quanto mais crescido, mais medo a gente tem, mas não abri o debate.  

Ando muito fã da palavra, da habilidade de reconhecer e nomear esse mundo de emoções que a gente pode e, muito provavelmente, vai viver e foquei a conversa aí. Ao invés de jogar pra debaixo do tapete, fingir que não é nada ou, pior, dizer que não tem motivos pra sentir o que já se sente, melhor tirar o tapete da sala. “Pois bem, você tem medo, e eu também tenho um monte. Se eu for até a sala da vacina com você melhora um pouco?” Ele disse que sim, e na hora H olhei pra ele, deixei que chorasse e depois que passou pedi pra dizer pra mim, de novo, o que sentiu. “Medo”.

Algumas semanas depois, “a coisa muito estranha” apareceu de novo, numa quinta ou sexta-feira, porque estava chegando o casamento da tia e ele tinha a incubência de ser pajem. De gravatinha borboleta e tudo. “O corpo da gente é estranho, mãe!”, foi o jeito que ele encontrou pra iniciar a conversa e dizer que, diante da programação atípica, sentia um nervoso na barriga e/ou na garganta, que não era enjoo, não era dor, era uma coisa assim, esquisita, que vinha de dentro, que… era medo. E tudo bem.. Ou, mais exatamente, era ansiedade, que às vezes anda coladinha com o medo. Expliquei que ele não era obrigado a ir, de jeito nenhum, mas que se ele quisesse vencer esse medo, ele podia entrar na igreja de mãos dadas com ele. “Diz pra ele ‘ó, medo, tô te vendo aí, mas eu vou, e vou levar você junto comigo’.” Ele sorriu, e eu deixei que escolhesse sozinho.

No sábado, depois que ele percorreu a igreja com um sorriso quase relaxado, depois que a gente tinha festejado o casamento, se emocionado e achado a vida linda demais, eu perguntei pelo medo, e ele disse que tinha feito como eu sugeri - levou o medo junto com ele. “Mas ele ainda tá aqui?” “Aqui? Não, mãe, sumiu.”

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