O que você quer, heim?
/Pátio cheio, o sol meio tímido colorindo o início da tarde; é hora de formar a fila da entrada, e tudo acontece como sempre: alguns disputam silenciosamente o primeiro lugar, alguns conversam animadamente e sorriem, outros se apoiam nas pernas da mãe, e uma turma corre cheia de energia. Tem que adore, tem quem fique bem, tem que resista. A professora chega, e de longe dá pra ouvir um pai - deve ter uns 40 anos, camisa de malha, bermuda jeans, mais um como tantos outros - em uma tentativa de levar seu menino pra fila: "anda, vai, vai, ô inferno! Já falei, para! O que você quer, heim? Vai acabar virando um marginal!" Com 6 ou 7 anos de idade, merendeira pendurada, o menino sorri meio de lado, olha pra longe, troca as pernas enquanto desacelera a corrida, e entra na fila. Todo mundo ouviu.
Ele, olhando assim, parece com o meu filho e, talvez, também com o seu. Tem aqueles olhos brilhantes de quem está de olho no mundo, aquela energia que parece sem fim, aquela têmpora meio suada depois de um pouquinho de liberdade. Mas, é sabido, o menino dá trabalho na sala de aula. "Ninguém gosta dele", conta um colega com a simplicidade da infância. "É? Mas por quê?" "Porque ele não obedece as professoras, não respeita os outros, só arruma confusão." "Mas alguém tenta brincar com ele? Às vezes ele precisa de amigos, né?!" "A gente tenta. Eu tento, e é um pouco bom, durante um tempo. Mas ele acaba batendo em alguém…"
Não é difícil imaginar que, se dá trabalho na escola, também deve dar trabalho em casa, e é possível que dê muito trabalho. Eu já posso ver daqui pais cansados, frustrados, se sentindo impotentes diante dos desafios que as crianças podem nos trazer - e, não se engane, crianças diferentes trazem desafios diferentes -, e a julgar pelas frases que se ouviu no pátio, devem ser também pais de saco cheio. Só não sei, e nem teria como saber, o que veio primeiro: o ovo ou a galinha. Ele é ríspido, grosseiro, desrespeitoso e violento com o filho porque o filho não é "fácil", ou o menino não é "fácil" porque seu pai é ríspido, grosseiro, desrespeitoso e violento? Considerando a primeira hipótese, e tentando dar um desconto considerando as batalhas pessoais que esse pai enfrenta e eu desconheço, qual a chance de essa abordagem ajudar a criança a entender que precisa entrar na fila, se acalmar e participar da aula com serenidade e alegria?
O que passa pela cabeça de um menino cujo pai lhe traça um destino desses? Qual será o significado de "marginal" para uma criança tão nova, e o quanto vai custar pra ele ter esse conceito misturado à sua noção de identidade? A gente, pais de hoje em dia, anda cuidando de um monte de coisa: de cursos, de brinquedos, de jogos, de tecnologia, de festas, de futuro… Mas, no fundo no fundo, é bem mais simples (e mais difícil)...