O menino e a cidade

dmitry_ryzhkov via Visual Hunt

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Dia desses, o trânsito na porta da escola estava mais intenso que de costume, e nenhuma das vagas que a gente costuma usar estava disponível. Eu virei a esquina em busca de uma solução, e antes mesmo da escola perder tamanho no retrovisor do carro, veio o protesto: “Ah não, mãe, eu quero parar perto da escola…” Como se ali, onde eu fui buscar uma vaga, fosse longe. Devia ser um quinto do que eu andava entre o ponto de ônibus e a porta da minha escola durante toda a minha infância, e um décimo do que andam ainda hoje tantas e tantas crianças que, por escolha ou necessidade, têm uma rotina diferente.

Sim, os tempos são outros, e poder ir e vir de carro é um privilégio conquistado com muito trabalho, mas achei que era hora de exercitar. A despeito do protesto, parei ali e avisei que íamos subir devagar o morrinho que nos levaria até a porta da escola. “Tô cansado, mãe…”, o menino tentou emplacar, embora tivesse tido uma ótima noite de sono e gastado a manhã com brincadeiras e nada mais. Eu sabia que aquela decisão poderia atrasar em mais cinco ou dez minutos a entrada na sala (ou não, porque sabe-se lá quanto tempo levaria pra conseguir a “vaga boa”), mas pensei que tinha muito conhecimento pra ser adquirido ali também, na rua. E fomos andando - o menino com sua mochila, e o bebê de maozinha dada com a mamãe - entre calçadas tortas, uma obra que nos obriga a atravessar, as pessoas que nos cruzam o caminho, e o sol que, às 13h, no morro, faz junho parecer janeiro. Até tombinho o pequetito levou, o que eu entendi como um capricho do acaso. Afinal, tropeçar na rua, meus queridos, ao invés de ficar sentadinho na cadeirinha do carro, também faz parte da vida.

A primeira coisa que eu quero evitar quando forço uma caminhada dessa (muitas outras virão, pode apostar) é a preguiça e a vontade de ter tudo de mão beijada. Tem hora que tem que andar com a própria perna, e isso é inegociável. Mas não é só. Sei o tamanho do risco que nossos filhos correm nas ruas hoje em dia, especialmente em cidades de porte grande, e já desisti do clima romântico que a gente vivia antigamente. Na maioria das vezes, não é possível. Mas me incomoda perceber no discurso do meu filho - que eu arrisco dizer que representa uma pequena multidão de filhos de pais que querem oferecer conforto e segurança-, pistas de distanciamento. A rua, ao que parece, não é dele. A rua, pra ele, é lugar de passagem, e não de estada.

Ele faz parte de uma geração que, por causa da nossa pressa e do nosso medo, vê a rua pela janela do carro. Falta intimidade. É como se a cidade fosse dos outros, como se pertencesse a outro mundo. Acontece que a rua é dele, é responsabilidade dele, e não existe chance de se construir uma sociedade melhor, com mais tolerância e empatia, sem passar pelo outro, pela construção social, pela rua. É no espaço público (e público mesmo, como são a rua e a praça) que uma criança tem a chance de conhecer o verdadeiramente diferente, de ampliar sua visão de mundo, de compreender seu lugar. Trata-se, portanto, de muito mais do que uma esticada nas pernas.

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