Meu irmão tem, eu também quero!

Meu filho de quase dois anos ainda não verbaliza com tamanha clareza, mas se pudéssemos fazer uma leitura do que se passa pela cabeça dele, aposto que seria esse o resumo: “se ele pode, eu também quero!” . Como já era de se esperar, o adorável bebê virou um doce macaco de imitação do irmão, coisa que é normal, eu sei, mas que dá trabalho, muito trabalho, quando se quer, ainda que delicadamente, preservar nele o que há de mais genuíno em cada etapa. Faço o que posso, mas por causa do irmão, o pequetito conhece “bolo de cocoiate”, biscoito (de cocoiate também), Batman, Homem de Ferro e até Angry Birds. Por causa do irmão, ele anda pela casa repetindo, do alto de seus 85cm, que quer “jogar joguinho”, como se esse fosse um pedido compatível com sua idade e com suas fraldas.

A julgar por esses exemplos, a saída talvez fosse tirar (ou não ter deixado entrar) esses elementos de dentro de casa, mas essa não é a minha escolha (e nem é somente dentro de casa que esses elementos estão). Ademais, não para por aí. Às terças e quintas, como faz o irmão, ele quer se debruçar sobre o dever de casa, quer caderno, lápis, borracha, embora não saiba segurar o lápis a (seu) contento. Pouco tempo depois, chora porque quer montar um quebra-cabeças pra quem tem cinco anos e, claro, não consegue. Ao sair de casa, quer subir na cadeirinha do carro sozinho, e protesta quando eu fecho o cinto (que pode beliscar a mãozinha dele) gritando “eu, eu, eu, só eeeeeu”.

Meu instinto - que aparece provocado pelo desespero ocasional - passa por recuar com o mais velho no que diz respeito às suas conquistas, mas, convenhamos, não é justo. Já disse coisas como “não faz isso porque seu irmão vai querer também, por favor”, mas nem precisei esperar o menino reclamar pra ver que estava errado. Se a ele não custa cooperar, a mim cabe entender que foi minha a ideia de criar duas crianças e que eu preciso encontrar uma forma de conciliar desejos e direitos. Ou de rever minhas convicções. Afinal, não tenho um bebê qualquer; tenho um bebê no seu contexto. Um bebê apaixonado por um menino de quase cinco anos que conta histórias, que imita personagens, que constrói cenas, e que tem um sem-fim de referências para passar, ainda que isso envolva muita expectativa e frustração.

Fui dormir na última quinta pensando nisso, e na sexta, ainda de manhã, fui surpreendida por uma cena: sentado no chão para brincar com o caçula, o menino tinha tirado do canto do armário os blocos de montar para bebê que estavam de lado há meses e construiu um trenzinho, que não era um Transformer, não tinha o Capitão América como maquinista, nem dependia de pilha para andar. Era um brinquedo, simplesmente. Os dois deitaram no corredor e refizeram o caminho do trem vezes e vezes, em meio a gargalhadas, destas que enchem a casa inteira. “Que boa ideia, filho, essa de brincar com os brinquedos do seu irmão”, eu elogiei, já entendendo o que aquilo queria me dizer. Ele sorriu, mal tirando os olhos do trem, com o rosto cheio de doçura. “Hoje eu brinco com ele, depois ele brinca comigo”, explicou. Trata-se de uma troca.

Nos últimos meses, a troca rendeu ao caçula o hábito de correr pro banheiro para escovar os dentes antes mesmo de engolir a última colherada de comida, a mania de sair do elevador determinado a abraçar o porteiro, faça chuva ou faça sol, e uma graciosa disposição para cantar no trânsito. Um joguinho não há de matar…

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