Ele não gosta de mim, mãe!
/Meu menino me disse um dia, depois da escola, com cara de quem tem uma notícia ruim: “fulano não é meu amigo”. Eu já ia me preparando para o sermão da boa mãe, pra dizer pra ele que é preciso gostar de todo mundo, que não pode uma coisa dessas, que todo mundo ali é amigo, quando ele acrescentou, com os olhos brilhando, mas tentando manter o tom banal da conversa: “eu já tentei, ele não gosta de mim. Disse que eu sou chato”. Ah! O assunto, então, era outro. Rejeição. Pedi alguma informação a mais, e ele me disse que estava há dias querendo brincar com o colega, “tentando fazer ele ser amigo”, mas que o menino se negava a passar algum tempo com ele e não explicava muito, dizia não e só. Preferia os outros.
Era hora, então, de cair a máscara da perfeição e de ele entender que afinidade é uma coisa tão natural quanto potente e que a gente gosta, sim, mais de uns que de outros. E que a gente não gosta de todo mundo. E que nem todo mundo gosta da gente. E que tudo bem. Então tudo o que eu disse até ali, sobre ser amigo de todo mundo, era mentira? Não, era tudo cuidado pra fazer nascer nele as bases da bondade, da vontade de estar com os outros, da empatia e tantas outras coisas fundamentais pra gente viver bem. Mas, agora, ele estava ali, de braços abertos pro mundo, me pedindo uma explicação: por que fulano não gosta dele?
Pois é… A gente passa os dias cuidando da nossa criança, que cresce saudável e, aos nossos olhos, é tão linda e inteligente quanto é possível ser, mas não é pra todo mundo. Claro, tem gente que acha que é uma criança qualquer, normal, chata talvez, sem graça talvez. Tem gente que não vai querê-la assim tão perto, e o mais complicado será quando for gente dela, gente de quem ela gosta e com quem ela quer estar. Preciso ensiná-lo a se colocar, mas também preciso deixá-lo ver que a rejeição é real, que não há unanimidade, e que buscar por ela vai doer demais.
“Quem é que gosta de você?”, eu fui tentando uma forma inversa de ajudá-lo a entender. “Sicrano, beltrano, aquele outro e mais um!” “E por que será que eles gostam?” Ele sorriu enquanto pensava. Abaixei, cheguei bem perto dele e expliquei que é isso, a afinidade, que faz a gente se aproximar de determinadas pessoas ao longo da vida, que é daí que nascem as melhores amizades, e que nem todo mundo gosta das mesmas coisas, então nem sempre a gente vai querer ficar perto de todos os colegas. Insisti que o importante é que a gente respeite todo mundo, até aqueles de quem a gente não gosta muito e, por fim, sugeri que não desistisse. Que mostrasse pro fulano as melhores coisas que ele tem a oferecer - as melhores brincadeiras, as histórias mais legais - e também que procurasse saber do que ele gosta. “Pergunta pra ele!”, eu encorajei, sabendo que podia não dar certo.
Depois de alguns dias, quis saber se tinha mudado alguma coisa na escola, e ele contou sem entusiasmo que tinha perguntado as coisas pro fulano, mas que eles não brincaram juntos. Depois mudou de assunto: me contou que tinha sido convidado pro aniversário do zezinho, que nem tinha entrado na história e que era até de outra turma. “Olha! Ele chamou a escola inteira?”, eu perguntei, rindo. “Não, só a turma dele e eu.” “Você? Por que você?” Ele riu de si mesmo, antes de responder: “porque ele me adora, ué!”
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