Não é assim, mãe!
/É um exercício de solidão. Quando te falaram lá atrás de tudo o que você ia viver com a chegada dele (ou dela, ou deles, ou delas), ficou muito provavelmente faltando essa ponderação, tão óbvia e tão determinante. Seu lugar de mãe daquela criança é único e, por causa disso, não é do jeito que falaram. Não é assim, e quando você descobre isso, descobre também que vai tudo mudando o tempo todo, te levando pra uma roda de emoções que você nunca imaginou que enfrentaria e, eis a verdade, não sabe como lidar. Ninguém te ensinou e nem vai te ensinar, você vai ter que se virar sozinha. Tem hora que a vontade que dá é de voltar pra aquele tempo em que você era a filha de alguém, e só, e ninguém no mundo dependia de você. Vontade de ir dormir na cama da minha mãe. E é vontade só, vontade legítima. Não é tristeza, não é falta de amor, ou de disposição, ou do que quer que seja.
Meu pequetito tem o hábito de repetir “não é assim, mãe”, sempre que ele quer dizer que não acertei. Não é assim que ele quer que eu desenhe um pato, não é assim que passa a manteiga no pão dele, não é assim que coloca o carrinho na pista. Na semana passada era, mas agora não é mais assim. Sei que é a forma dele verbalizar, e que na contramão disso aparece inúmeras vezes o sorriso delicioso onde eu leio “é exatamente assim, mãe”, mas tem hora que a frase dele chega ao meu ouvido como um alerta, quase um mantra invertido a me dizer que eu não sei. Não sei fazer o que precisa ser feito, embora passe todos os meus minutos fazendo o melhor que eu posso.
Há menos de uma semana o menino, cinco anos já bem feitos, me disse pela primeira vez que não gosta de mim. Me odeia. Me odiava naquele segundo porque eu tinha dito que ele precisava guardar os brinquedos naquela hora, que eu não ia mais esperar, e disse isso sem abrir debate, porque todas as concessões possíveis eu já tinha feito, e ele estava procurando o limite. Achou e odiou; odiou a mim, inclusive. Aprendeu nos últimos meses essa palavra, não sei exatamente onde, e achou que devia usar. Eu respondi que o amava, inclusive naquele minuto, e que íamos guardar os brinquedos. Guardamos, ele parou de chorar, bebeu leite. Na hora de dormir, não muito tempo depois, me pediu pra chegar mais perto, embora já estivéssemos de mãos dadas, porque ele queria ficar bem agarradinho, “porque eu te amo, mãe, de um amor que nunca acaba.” Ficamos, enquanto eu ia revivendo as emoções do dia e pensando no quanto seria bom se ele e o irmão dormissem a noite toda, por favor, e se no dia seguinte estivéssemos cheios de energia e saúde pra começar de novo. Tudo de novo, todo dia, sem saber como é que é.
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