Eu sou criança, entendeu?
/É um menino doce, bem cuidado, pode ser gentil até, sabe dizer por favor, obrigado, etc, mas tem um detalhe: quer ganhar todas. Não sabe perder. Faz cena se for derrotado no cara a cara, fica bravíssimo se não vencer o par ou ímpar, e se inflama até se perder de si mesmo, se não conseguir repetir hoje um êxito qualquer de ontem. Outro dia fui buscá-lo no futebol e, como tem sido, chorava pelos cantos. O motivo: “não fiz gol, mãe, perdi”. E daí? “Daí que eu não gosto de perder.”
Eu poderia, ou melhor, poderíamos, eu e você, repreendê-lo com firmeza e gastarmos o português com meia dúzia de frases feitas, não fosse essa uma verdade nossa também. Também não gosto de perder. A gente pode até ter aprendido a lidar com isso, coisa necessária, claro, mas gostar ninguém gosta. E como a gente perde! Eu disse a ele que também não gosto, mas que perco e perco todos os dias, de um jeito ou de outro, que sempre tem alguma coisa que não sai do jeito que eu queria, seja no trabalho, na rua, em casa. Ele arregalou os olhos e me olhou assustado, como quem diz: “e você não chora por quê?”
Me lembrei da história de uma menina que cresceu tão convencida de que deveria se acostumar a perder que, por estratégia, passou a não se importar. Tudo bem se perdesse o jogo, se perdesse média, se perdesse uma disputa qualquer. Tanto faz. Se eu não fizer questão de ganhar, então não será exatamente uma perda, ela tentava se enganar, sem notar que trocou de sofrimento.
A menina da história e o meu menino estão em extremos opostos, e eu fiquei pensando em como tirá-lo do canto dele sem roubar-lhe uma das mais fundamentais das humanidades: a vontade. Voltei pro futebol e citei um nome que ele conhece bem, tentando conquistar atenção: “sabe o Neymar? Já viu que ele quer fazer gol tanto quanto você mas que mesmo sendo muito bom com a bola ele, às vezes, não consegue? Fica lá uma hora ou mais só correndo, sem gol, mas não desiste e não chora também, entendeu?” “Entendi, mãe. Mas eu sou criança, entendeu?”
Entendi, pensei comigo. Então façamos um combinado: você segue chorando enquanto precisar, e eu sigo te dando colo e repetindo que, infelizmente, perder faz parte da vida. Sem pressa. A gente vai se falando…